domingo, 8 de dezembro de 2013

Desmistificando os mitos do autismo

Por Rachel Cohen-Rottenberg
 
Na Primavera passada, eu e minha família nos mudamos de nossa fazenda de 22 acres no oeste de Massachusetts para o centro de Brattleboro. Foi o início de uma nova vida juntos.

Seis meses mais tarde, aos 50 anos de idade, fui diagnosticada com a síndrome de Asperger, uma forma de autismo de alto grau de funcionamento. Longe de ser um momento de desgosto, o meu diagnóstico foi um motivo de grande celebração. Pela primeira vez, a minha vida fez sentido.

Eu sempre me senti muito diferente das outras pessoas. Eu sempre tinha um sentimento de isolamento, sem que eu pudesse encontrar qualquer tipo de explicação.

O tema do autismo sempre tinha me fascinado, mas a idéia de que eu poderia ser autista parecia absurdo. Eu tinha ido para a faculdade, fiz amigos, e trabalhava em tempo integral. Eu havia casado e constituído uma família. Como eu poderia ser autista? Afinal, as pessoas autistas vivem trancadas em seus próprios mundos estranhos, incapazes de se comunicarem ou conviverem em sociedade.

Ou então eu pensei. Eu já havia percorrido um longo caminho desde então. No processo de compreender-me como uma mulher autista, eu tinha de me desfazer de todos os mitos que eu já tinha ouvido sobre o assunto. Estes mitos incluem o seguinte.

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Mito nº 1: Todas as pessoas autistas são não-verbais e de baixo funcionamento. 

O espectro do autismo é uma condição. Nos Estados Unidos, uma pessoa em cada 150 é autista, e mais da metade de todas as pessoas autistas têm síndrome de Asperger. Além disso, muitas pessoas sob o espectro encontram-se entre o alto grau de funcionamento e o baixo funcionamento extremo. Na verdade, algumas pessoas começam mais severamente afetadas e podem tornar-se de alto funcionamento à medida que crescem e aprendem.

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Mito nº 2: O autismo é uma doença mental.

Autismo não é um distúrbio psicológico. É uma condição neurológica em que o cérebro e o sistema nervoso são extremamente sensíveis a estímulos sensoriais.

Quando uma pessoa recebe informações sensoriais provenientes do ambiente, elas intuitivamente filtram, priorizam, e respondem a informação de uma forma proposital. Para as pessoas autistas, o processamento sensorial funciona de modo muito diferente. A informação vem com toda a carga, sem nenhuma filtragem.
Por exemplo, eu não tenho quase nenhuma capacidade de filtrar informações auditivas. Algumas vezes, ouço uma cacofonia de sons e vozes, todos ao mesmo volume alto. É difícil para mim ter uma conversa com um monte de som em segundo plano.

Locais barulhentos, cheios de gente ou situações desestruturadas provocam imediatamente em mim uma sobrecarga sensorial. Também possuo uma experiência visual do mundo muito intensa. Estou constantemente analisando o ambiente ao meu redor, observando os mínimos detalhes, na tentativa de ordenar-los em algum tipo de padrão. Porque o mundo visual muda constantemente, e meu processo de organização nunca pára.

Só recentemente que eu percebi que a maioria das pessoas não tem a experiência visual do mundo com a mesma intensidade que o faço.

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Mito nº 3: Pessoas autistas não sentem empatia.

Ao contrário do que se pensa, as pessoas autistas têm muitas vezes um excesso de empatia. No entanto, devido às nossas sensibilidades sensoriais, nem sempre podemos ser capazes de demonstrar isso.

Quando criança, eu era muito sensível e frequentemente experimentava o sofrimento dos outros. Por exemplo, em uma escola hebraica, assistimos a um filme que mostrava o que tinha acontecido nos campos de concentração nazistas durante o Holocausto. Eu vi filmes em que pessoas eram alinhadas na beira de uma vala e eram fuziladas. A empatia que senti pelas pessoas foi imediata. Senti o mesmo que eles estavam enfrentando, como se aquilo também tivesse acabado de acontecer comigo naquele momento.

Durante muitos anos desde então, tenho consciência de que quando eu ando em uma sala cheia de gente, vou sentir a experiência emocional de todos os presentes. É como se todas as emoções vinhessem direto através de mim. Todo esse sentimento vem muito mais rápido do que eu posso processá-lo, eu sinto o seu impacto. Tornar-me muito desorientada, tanto que tenho dificuldade em sentir ou pensar em qualquer coisa.

Meu marido normalmente percebe quando eu estou tendo essa experiência. Ele diz: "Você está fora do ar, não é mesmo?" Para o que só posso afirmar com a cabeça um enfático "Sim".

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Mito nº 4: As pessoas autistas são antisociais.

Pessoas autístas muitas vezes têm dificuldades de comunicação porque não são capazes de ler intuitivamente dicas não verbais, tais como expressões faciais e linguagem corporal.

Eu aprendi que recentemente dicas não verbais perfazem cerca de 90 por cento de qualquer conversa. Até o meu diagnóstico, eu não tinha idéia de que a linguagem não verbal sequer existia.

Quando converso, presto bastante atenção as palavras que acabei de ouvir. E, por isso , eu gasto mais tempo ouvindo, traduzindo, pensando e respondendo a uma pessoa neuro-típica.

A minha resposta as vezes é um pouco atrasada. Muitas vezes as pessoas interpretam a minha resposta demorada como uma falta de interesse. Sob a maioria das circunstâncias, elas estão erradas.

Eu não acho que seja possível para mim ficar muito tempo sem conversar com outras pessoas. No entanto, 10 minutos de conversa com uma pessoa pode ser bastante cansativo. Uma conversa com mais de uma pessoa ao mesmo tempo é quase impossível. E quando você acrescentar à mistura da minha sensibilidade sensorial e emocional, obtém-se uma pessoa que requer uma grande dose de solidão.

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Mito nº 5: As pessoas autistas não fazem contato visual, porque elas não se importam com o que as pessoas têm a dizer.

Acho contato visual muito difícil, mas não tem nada a ver com saber se estou interessada em o que alguém está me dizendo. Na verdade, se eu estou interessada, eu costumo desviar o olhar da pessoa, a fim de pensar claramente.

Ao longo dos anos, em uma tentativa de mascarar essa minha dificuldade, eu tenho desenvolvido uma série de disfarces, incluindo a capacidade de fazer e manter contato visual. No entanto, a habilidade não vem naturalmente.

Exceto para o meu marido e minha filha, eu utilizo um tímido contato visual com a maioria das pessoas, sim, da mesma forma quando lanço um tímido olhar diretamente para o sol. Quando eu olho para os olhos de uma pessoa, tenho essa experiência profunda que para mim é uma sensação esmagadora.

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Mito nº 6: As pessoas autistas não podem ter as suas próprias famílias.

Muitas pessoas autistas são casadas e criam filhos. Tanto o meu marido como minha filha são neuro-típicos, e eu adoro eles.

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Mito nº 7: As pessoas autistas são quebra-cabeças com peças faltando. 

A utilização da metáfora "quebra-cabeças faltando peças" para descrever autismo é uma grande fonte de dor para mim.

Antes do meu diagnóstico, eu costumava sentir que eu tinha peças desaparecidas. Depois que eu descobri que eu tinha a síndrome de Asperger, todas as peças da minha vida começaram a se unir para formar um quadro coerente, uma imagem reconhecível. Pela primeira vez na minha vida, me senti completa.

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Mito nº 8: As pessoas autistas têm baixa inteligência.

Pessoas autístas têm diferentes níveis de inteligência, assim como a as pessoas neuro-típicas também. O teste utilizado para medir a inteligência fez uma profunda diferença no resultado da avaliação.

Em 2007 um estudo realizado com crianças autistas e neuro-típicas utilizou dois testes de QI: o teste WISC (que se baseia em perguntas e respostas verbais) e os Raven's Progressive Matrices teste (que mede a capacidade de fazer abstração de alto nível e raciocínio complexo).

Nenhuma criança autista fez pontuação alta no teste de inteligência WISC; na verdade, um terço pontuou na faixa de baixa inteligência. No entanto, um terço das crianças autistas pontuaram na gama de alta inteligência sobre o teste Raven's. Adultos autistas e neuro-típicos foram testados, também, com os mesmos resultados.

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Mito nº 9: as pessoas autistas não gozam a vida.

Para algumas pessoas autistas, esta afirmação é verdadeira, tal como é verdade para qualquer outro grupo de pessoas. No entanto, muitos de nós encontramos uma grande alegria em nossos entes queridos, e podemos focar como um raio laser sobre os nossos interesses especiais durante horas a fio. Minha família, meus amigos, a minha arte, a minha música, meus textos, e meu trabalho comunitário são constantes fontes de alegria e satisfação.

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Mito nº 10: O autismo é uma doença que necessita de uma cura. 

Esta declaração é o foco do debate apaixonado. Como muitos outros, eu não considero o autismo uma doença. Os pesquisadores do Instituto Brain-Mind na Suíça escreveram em 2007 um artigo, "A pessoas autistas são indivíduos com notáveis talentos e capacidades muito acima da média, como: maior percepção, atenção e memória. Na verdade, é essa hiper-funcionalidade que poderia tornar os indivíduos debilitados. "

Atualmente, não existe cura para o autismo. Eu entendo porque algumas pessoas sobre o espectro possam querer uma cura. Ser autista, mesmo com um alto nível de funcionamento, é muito difícil. Para as pessoas que estão sob o grau severo do espectro, a condição pode ser verdadeiramente incapacitante.

Pessoalmente, eu não quero ser curada. Autismo me faz quem eu sou, e ele me deu muitos dons.

Sou sensível, empática, e artística. Vejo uma grande beleza no mundo, e eu sinto muito profundamente suas injustiças. Eu sou muita direta nas minhas palavas e, por essa razão, as pessoas intuitivamente confiam em mim.

Não gostaria de ser diferente.

Estou orgulhosa de quem eu sou.

Levou-me 50 anos para descobrir a verdade sobre a minha vida.

No tempo que me resta, planejo mostrar a todos o valor desta verdade.

Fonte: http://www.commonsnews.org/test3/story.php?articleno=694

LEI Nº 12.764, DE 27 DE DEZEMBRO DE 2012

Sancionada pela presidente Dilma com vetos, e Institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista; e altera o § 3o do art. 98 da Lei no 8.112, de 11 de dezembro de 1990.

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12764.htm