quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

10 autistas superdotados


1 – KIM PEEK:

Quando foi diagnosticado com retardo mental, um médico disse ao seu pai que ele nunca conseguiria aprender nada, que deveria ser institucionalizado e esquecido. Mas Kim começou a ler enciclopédias aos quatro anos de idade. E terminou o currículo do High School (2º grau), aos 14 anos. Kim começou a ler enciclopédias aos quatro anos de idade. E terminou o currículo do High School (2º grau), aos 14 anos. Ele costuma memorizar listas telefônicas inteiras. Sabe, de cada cidade dos EUA, quais são todas as suas estradas, estações de TV, códigos de área, códigos postais, etc. Sabe também da história de todos os países. Conhece toda a árvore genealógica e todos os detalhes da vida de todos os presidentes dos EUA. Lembra-se de todas as realizações da NASA. Finalmente, parece que ele mantém em sua mente tudo o que ele lê. Páginas de livros que podemos ler em 3 minutos ele lê em 8 ou 10 segundos. Ele utiliza um olho para ler cada página simultaneamente. Kim sabe qual foi o dia da semana de qualquer data passada. Por exemplo, se perguntarmos que dia da semana foi 27 de março de 1977, ele responderá que foi um domingo. Peek serviu de inspiração para o personagem Raymond Babbit, que Dustin Hoffman representou em 1988 no filme Rain Man.


2 – LESLIE LEMKE:

Leslie Lemke, nascido prematuro em Milwaukee, 1952, foi rejeitado pela mãe por ser portador de deficiência cerebral. Com complicações na retina, ficou totalmente cego devido ao glaucoma. Aos 14 anos tocou, com perfeição, o Concerto nº 1 para piano de Tchaikovsky, depois de ouvi-lo pela primeira vez enquanto escutava um filme de televisão. Lemke jamais tinha tido aula de piano, é cego, mentalmente incapacitado e tem paralisia cerebral. Em 1983, Leslie ganhou fama mundial, sendo convidado pelos reis da Noruega. Fez também uma turnê no Japão, mantendo sempre a política de shows beneficentes em escolas, hospitais, prisões, igrejas.

3 – ALONZO CLEMONS:

Alonzo Clemons pode criar réplicas de cera perfeitas de qualquer animal, não importa quão brevemente o veja. Suas estátuas de bronze são vendidas por uma galeria em Aspen, Colorado, e lhe deram reputação nacional. Clemons é mentalmente incapacitado.

4 – GOTTFRIED MIND:

O autista suíço Gottfried Mind (1768-1814), um dos primeiros casos de autismo registrado na literatura médica, alcunhado de “Rafael dos gatos”, em homenagem ao grande pintor renascentsita Raphael, produziu diversos quadros relativos ao gato, animal que idolatrava. Chegou a esculpi-lo em castanhas. Não há na história da humanidade, nenhum outro pintor que tenha pintado o bichano de forma tão real quanto Gottfried.


5 – GILLES TRÉHIN:

Gilles Tréhin sofre de autismo. Desenhista prodígio e fascinado por grandes cidades, resolveu criar a sua própria. Batizou-a de Urville. Aos 12, começou a fazer os primeiros esboços da cidade. Hoje, existe até um livro publicado sobre a sua criação. Os detalhes são impressionantes. Mapas do metrô, descrições minuciosas sobre a economia, geografia e história da cidade e sua vida cultural. Descrições detalhadas sobre seus edifícios e sua arquitetura.

6 – JEDEDIAH BUXTON:

Jedediah Buxton (1705-74) era analfabeto, porém possuía uma capacidade fora do comum para cálculos e notável aptidão para solucionar os mais difíceis problemas. Em uma visita a Londres, foi levado a ver Garrick na peça Ricardo III e passou o tempo a contar as palavras pronunciadas pelos atores. Calculou o produto de um farthing (moeda inglesa) elevado à potência 139. O resultado, expresso em libras, alcança 39 dígitos. À parte seu talento para os números, sua inteligência era abaixo de medíocre.

7 – ORLANDO SERREL:

Orlando Serrell, que adquiriu a Síndrome de Savant após uma forte pancada na cabeça, sabe o dia da semana e o clima desde o dia do acidente sem precisar pensar.

8 – STEPHEN WILTSHIRE:

Stephen Wiltshire tem uma história assaz interessante. Detentor de uma incrível capacidade de memorização, Stephen é capaz de memorizar os traços de uma cidade inteira, bastando observá-la por algum tempo. Como de praxe a história começou lá no começo… Ainda com três anos, Stephen Wiltshire foi diagnosticado como sendo autista. E como característica de sua doença, Stephen vivia sozinho em seu próprio mundo. E não apenas isso, Stephen Wiltshire também era mudo. Na verdade, não era bem um mudo, mas ele não falava, tinha dificuldades. Seus desenhos são apenas detalhes, pois incrível mesmo é a sua capacidade de memorização. Sua memória fotográfica é capaz de memorizar uma cidade inteira, bastando apenas um vôo pela cidade em questão. E foi assim que Stephen pintou Tokyo, Hong Kong, Roma entre outras cidades.

9 – ELLEN BRODREAUX:

Caso raro entre o sexo feminino, Ellen é uma Savant cega, com um memória e um sentido musical extraordinários. Capaz de executar qualquer música apenas ouvindo-a pela primeira vez, a guarda em sua memória que funciona como uma enorme biblioteca musical.

10 – DANIEL TAMMET:

Daniel Paul Tammet é um inglês que sofre da Síndrome de Savant. Ele tem capacidades especiais na memorização de números e grande facilidade na aprendizagem de línguas. Foi capaz de dizer 22.514 dígitos de Pi e de aprender a falar islandês numa semana. Atualmente fala onze línguas diferentes. Tammet diz que cada número inteiro até 10.000 possui uma forma, textura e cor únicos e utiliza essa capacidade para realizar cálculos matemáticos. Escreveu o livro “Born on a Blue Day” (Nascido num dia azul, cor que representa, para ele, as quartas-feiras, dia em que ele nasceu).

domingo, 27 de dezembro de 2009

autismo como paradigma


Autismo como um paradigma acadêmico

TYLER COWEN

Tradução: Argemiro de Paula Garcia Filho
Se você pensar em termos de História, talvez imagine que as faculdades e universidades americanas nunca tenham contribuído para o discurso racista. Mas Princeton e muitas outras instituições mantiveram de fora os judeus, e defesas “acadêmicas” da escravidão, segregação e eugenia foram comuns até que mudanças sociais mais amplas tornaram tais pontos de vista inaceitáveis.

A triste verdade é que ideologias desumanizantes permanecem conosco na universidade moderna, embora com formas muito diferentes. Os principais exemplos incluem as inaceitáveis maneiras com que às vezes se fala e pensa sobre o espectro autista.

Há alguns anos, Michael L. Ganz, que ensina na Escola de Saúde Pública de Harvard, publicou um ensaio intitulado “Costs of Autism in the United States” (Custos do autismo nos Estados Unidos). Em nenhuma parte o ensaio avalia se as pessoas autistas trouxeram algum benefício à raça humana. Você pensaria em um ensaio equivalente, intitulado: “Custos dos nativos americanos”? Ganz pode pensar que o autismo é estritamente uma doença, mas nunca menciona ou refuta o fato de que um grande número de autistas rejeita essa visão e a considera ofensiva.

David Bainbridge é um anatomista veterinário da Universidade de Cambridge. Em 2008, publicou um livro pela Editora da Universidade de Harvard, “Beyond the Zonules of Zinn: A Fantastic Journey Through Your Brain” (Além das zônulas de Zinn: uma fantástica jornada através de seu cérebro). No livro, defende que aos autistas falta a qualidade da precaução humana, e comparou suas faculdades cognitivas desfavoravelmente às de macacos com lesões no cérebro. Deborah R. Barnbaum, filósofa da Universidade do Estado de Kent, escreveu um livro ironicamente intitulado “The Ethics of Autism”, Indiana University Press, 2008 (As éticas do autismo) em que pondera as implicações filosóficas do suposto fato de os autistas não poderem compreender a vida mental de outras pessoas, ainda que este resultado não se sustente experimentalmente e possa ser igualmente refutado por uma simples conversa com uma pessoa autista.

A questão não é focalizar a culpa nesses indivíduos em particular, porque estão afogados em idéias, atitudes e pressupostos comuns a uma estrutura maior. É perfeitamente possível que todos esses escritores sejam “gente boa” no sentido usual do termo, mas eles não sentem nenhum mal-estar ou hesitação em pintar tais retratos de outros seres humanos. A triste verdade é que, até que nós estejamos muito conscientes das implicações de nossas palavras, é muito fácil escorregar em maus hábitos e numa retórica danosa, mesmo no politicamente correto ano de 2009.
Citei alguns exemplos mais óbvios, mas as polarizações subjacentes estão enraizadas muito mais profundamente. Muitas pessoas nas faculdades estão cientes de como lidar com o autismo (e a síndrome de Asperger - vou me referir em geral ao espectro autista) em seus “programas de necessidades especiais”. A realidade mais complexa é que há muito mais autismo no ensino superior do que a maioria de nós imagina. Não são apenas os “estudantes com necessidades especiais”, mas, também, os oradores das turmas, os professores da faculdade e até, às vezes, seus gestores.

Esta última frase não é algum tipo de humor barato sobre as muitas características disfuncionais do ensino superior. O autismo é descrito frequentemente como uma doença ou uma praga, mas quando chega à faculdade ou universidade americanas é, frequentemente, uma vantagem competitiva mais do que um problema a ser resolvido. Uma razão da universidade americana ser tão forte é porque mobiliza eficazmente forças e talentos de pessoas do espectro autista. Apesar de alguma retórica negativa, a realidade é que os autistas são muito bons para as faculdades e as faculdades são muito boas para os autistas.

O economista e Prêmio Nobel Vernon L. Smith, um antigo colega meu, é um exemplo dos mais conhecidos de um grande realizador do espectro autista. Vernon, em "Discovery: A Memoir" (Descoberta: uma biografia), atribui seu extremo foco, sua atenção ao detalhe e sua erudita persistência a ligação que tem com o espectro autista. Richard Borcherds, vencedor em 1998 da Medalha Fields de Matemática, foi diagnosticado como tendo síndrome de Asperger. Temple Grandin, que ensina Ciência Animal na Universidade do Estado de Colorado, é uma brilhante mulher autista cujas idéias revolucionaram a forma como os matadouros americanos tratam os animais. Há provavelmente muito mais exemplos, embora não reconhecidos. O consagrado pesquisador de autismo Simon Baron-Cohen, da Universidade de Cambridge, argumenta que os grandes realizadores autistas são, de longe, mais comuns do que a maioria das pessoas imagina, sobretudo na Matemática e na Engenharia. Ele ressalta o comportamento sistemático como uma importante habilidade cognitiva dos autistas.

Apesar da retórica comum, a cada ano os especialistas estão nos ensinando mais sobre as capacidades cognitivas do espectro autista. Nos anos 60, a visão comum era que, à exceção de alguns savants, a maioria das pessoas autistas eram incapacitadas intelectualmente (“retardado mental” era o termo mais do que infeliz), e em certa medida esse estereótipo persiste hoje. Mas um crescente número de pesquisadores localiza as áreas onde os autistas superam os não-autistas.

Um breve levantamento mostra que os autistas têm, em média, maior percepção do compasso e outras habilidades musicais; são melhores na observação de detalhes no meio de padrões; têm melhor acuidade visual; enganam-se menos com ilusões de ópticas; têm maior probabilidade de ajustar-se a alguns cânones da racionalidade econômica, resolvem alguns tipos de quebra-cabeças e enigmas a uma taxa muito mais rápida e são menos propensos a ter certos tipos de falsas memórias. Autistas igualmente têm, em graus variados, fortes ou mesmo extremadas habilidades de memorização, execução de operações com códigos e cifras, fazer cálculos de cabeça, mostrando excelência em muitas outras tarefas cognitivas especializadas. Os savants, ainda que sejam excluídos, igualmente apresentam as forças cognitivas encontradas nos autistas mais genericamente. Uma pesquisa recente mostrou, usando métodos conservadores, que cerca de um terço dos autistas podem apresentar habilidades excepcionais ou do tipo “savant”.

As pessoas autistas têm geralmente desejo e talento superiores para montar e organizar a informação. Especialmente quando lhes é dado acesso apropriado a oportunidades e materiais, vivem o ideal do auto-didatismo, frequentemente ao extremo. Em meu novo livro, Create Your Own Economy (Crie sua própria economia), me refiro aos autistas como os “infóvoros” da moderna sociedade e argumento que, em muitas dimensões, nós, como sociedade, estamos trabalhando duro para imitar suas habilidades na organização e processamento da informação. Autismo é um item sobre o qual todo interessado em Educação deveria ler e pensar.

Resulta que a universidade americana é um ambiente especialmente favorável aos autistas. Muitos são desfavorecidos ou ficam oprimidos com o processamento de certos estímulos do mundo exterior e ficam, assim, sujeitos a uma sobrecarga sensorial. Para alguns autistas, isso é debilitante, mas para muitos outros é um problema administrável ou, ao menos, contornável. O resultado é que muitos preferem ambientes estáveis, a possibilidade de escolher seu próprio horário de trabalho ou fazê-lo em casa, e poder trabalhar focalizando-se em um projeto por longos períodos de tempo.

Soa familiar? A faculdade e a universidade modernas são, frequentemente, ideais ou ao menos relativamente boas em fornecer esse tipo de ambiente. Enquanto há uma grande discriminação contra os autistas, a maioria das pessoas das universidades americanas são tão cegas à noção de sua alta realização que um preconceito cancela o outro, para benefício de muitos dos autistas nas universidades.

Da mesma forma, autistas tendem a ser extremamente bons em um conjunto de tarefas cognitivas e marcadamente fracos ou prejudicados em outras; são os beneficiários finais da noção de Adam Smith da divisão de trabalho. A especialização acadêmica facilita que tais pessoas tenham sucesso.

Não quero forçá-lo na direção de estereótipos como o “professor distraído”. Algumas pessoas que se encaixam nesse perfil bem podem estar dentro do espectro autista, mas ele igualmente inclui mulheres bonitas com sorrisos encantadores, gente entusiasmada e extrovertida, pessoas que não conseguem produzir um discurso significativo e aqueles que fazem sozinhos, de memória, discursos em público claros e eficientes. Tony Attwood, um psicólogo australiano com extensa experiência em diagnóstico, acredita que a profissão de ator tem muitos representantes do espectro autista. A questão não é convencer ninguém de nenhum perfil único para autistas, ou substituir velhos estereótipos por novos. Ao contrário, devemos nos manter abertos para aprender que a diversidade autista é maior do que costumamos pensar.

Não há nenhuma dúvida que muitas pessoas autistas têm problemas na vida e são incapazes de atingir posições elevadas ou mesmo disputá-las. Problemas, tais como atipicidades sociais muito óbvias, ansiedade social, ou várias hipersensibilidades sensoriais - encontrados entre muitos, mas de forma alguma em todos os autistas - podem impedi-los de conseguir trabalhos comuns ou melhorar seu status social.

Os preconceitos atuais são baseados pelo menos em dois erros. Primeiramente, o autismo é definido muito frequentemente como uma série de prejuízos ou falhas da vida, levando grandes realizadores à exclusão. É mais científico e igualmente mais ético ter uma definição mais ampla do autismo, baseada nos métodos diferenciados e atípicos para processar a informação e em outros marcadores cognitiva e biologicamente definidos. Dessa maneira, não rotulamos os autistas como necessariamente falhos, mas, em vez disso, reconhecemos uma grande diversidade de resultados, que inclui seus sucessos.

Em segundo lugar, os autistas diagnosticados são frequentemente aquelas pessoas que encontram os maiores problemas na vida. A maioria de autistas de sucesso nunca aparece para diagnóstico ou intervenção e muitos deles não têm necessidade ou mesmo consciência dele, ou, mesmo se estão tendo dificuldades, temem o estigma de um diagnóstico. A amostragem comum de autistas, como se encontra em um típico artigo de pesquisa, mostra muito mais problemas e menos sucessos do que seria mais provável caso usasse uma amostra verdadeira da população de autistas. Ou seja, há uma polarização enorme da seleção. A pesquisa sobre o autismo está somente começando a confrontar esse problema.

Também estamos aprendendo que muitos estereótipos sobre autistas são falsos ou pelo menos equivocados. Costuma-se dizer, por exemplo, que autistas não se preocupam com outras pessoas, ou que não sentem emoções genuínas ou empatia. O mais provável é que autistas e não-autistas não se compreendam muito bem. Frequentemente, as pessoas que fazem tais afirmações mostram sua própria falha em mostrar empatia para com autistas ou para reconhecer a riqueza de suas vidas emocionais. Mesmo quando há reconhecimento das suas capacidades cognitivas - mais comumente nos savants – ele vem acompanhado de um clichê impreciso, um retrato de uma personalidade fria, robótica, menos que humana.

A relevância do espectro autista para o ensino superior não diz respeito apenas a indivíduos particulares. A própria natureza do ensino superior mostra o quanto nós, frequentemente sem o saber, acreditamos que os perfis cognitivos dos autistas são um ideal educacional. Na “educação especial” abundam os esforços para ensinar as habilidades dos não-autistas aos autistas, mas, na sala de aula regular, frequentemente fazemos o oposto. Vejo a educação superior (e níveis mais baixos) ensinando as pessoas a serem autistas em muitas de suas habilidades cognitivas básicas. Além disso, algumas características cognitivas chave no autismo são a habilidade e o desejo de processar muita informação através de escalas grandemente diferentes, de minúsculos detalhes a estruturas abrangentes; focalizar e ordenar mentalmente essa informação; um relativamente alto nível de objetividade científica; e a presença de algumas capacidades cognitivas altamente especializadas, mesmo se acompanhados de algumas áreas com baixo desempenho. Um educador pode gostar de muita coisa nessa lista.

Outra maneira de ver a questão é notar que todos os alunos têm necessidades especiais, precisando de muita ajuda. Estudantes não-autistas não representam algum ponto ideal que todos estão se esforçando para alcançar, mas tanto os autistas como os não-autistas estão tentando aprender as habilidades especiais do outro grupo, assim como aperfeiçoar suas próprias habilidades.

No discurso público e acadêmico, não é apenas o entendimento do autismo que está em jogo. O neurodesenvolvimento dos seres humanos segue caminhos variados, sendo o TDAH (transtorno do deficit de atenção com hiperatividade) outro exemplo de destaque. Precisamos ser cuidadosos sobre o que rotulamos como uma desordem. Em relação a este, por exemplo, crescem as evidências de que os indivíduos com TDAH conseguem resultados muito bons por padrões sociais normais. O estereótipo da cultura popular de um TDAH (frequentemente "TDA") é de uma pessoa que zapeia freneticamente de um canal ou website para o outro. Uma visão alternativa é que muitos desses indivíduos se adaptam e terminam por usar seu perfil cognitivo para se lançar do aprendizado de um fragmento de informação ao seguinte, terminando por aprender melhor e, talvez, situando-se melhor para lidar também com o mundo social. Similarmente, um estudo descobriu que as pessoas disléxicas se fizeram melhores empreendedores na média, porque são acostumados à idéia de ter que delegar algumas tarefas mais do que tentar gerenciar tudo.

Em muitas áreas da neurodiversidade humana, incluindo o autismo, ainda não sabemos as respostas a muitas perguntas básicas. Não há nem mesmo um acordo nas definições básicas do autismo, ásperguer e conceitos relacionados. Entretanto, aplicamos aos autistas montes de estereótipos e descrições negativas que não sonharíamos em usar para descrever grupos raciais ou étnicos. É tempo de as faculdades e universidades saíram à lutar contra esses preconceitos. O ensino superior precisa ajustar sua retórica à realidade de que é uma opção comum para pessoas autistas.

Ainda estamos procurando as metáforas e a linguagem apropriadas para descrever e explicar a neurodiversidade humana. Por exemplo, avançamos de uma visão do autismo como resultado de "mães-geladeira" - frias, distantes - como foi mais visivelmente sugerido por Bruno Bettelheim nos anos 1960. Estamos apenas dando os primeiros passos além de uma definição do tipo “série de limitações”. Chamarmos o autismo de “desordem” é sermos humanos e oferecermos simpatia, ajuda, ou é valorizar estereótipos e baixas expectativas, ignorando a variação nos resultados?
Mas se não está correto falar em desordem, quais seriam os termos aceitáveis e qual seria o quadro conceitual a acompanhá-los? A distinção geralmente aceita entre o “alto funcionamento” e o “baixo funcionamento” ignora as grandes variações nas habilidades individuais dos autistas e igualmente parece classificar um grupo de seres humanos como algo inadequado. Quando vamos falar do espectro autista, devemos ser humanos, respeitarmos a diferença e a individualidade humanas, a necessidade de apoio e reconhecermos a diversidade dentro do espectro, tudo isso sem supor que as formas dos não-autistas verem o mundo são sempre as corretas.
O senso comum é que “autismo” diz respeito a crianças doentes e cumpre à comunidade acadêmica ajudar a corrigir esse quadro. Se olharmos os dados, parece fácil encontrar montes de crianças com autismo relativamente severo, ao menos segundo os padrões desse mesmo ponto de vista e, assim, encontrar um número proporcional de adultos autistas. Por exemplo, uma idéia disseminada sugere que os Estados Unidos tenham aproximadamente 500.000 crianças autistas, para uma predominância de uma em cada 150. Isso significaria que os Estados Unidos igualmente teriam 1,5 milhão de adultos autistas. (Esses números são aproximações grosseiras e ainda estão em debate.)

Minha opinião é que os Estados Unidos têm de fato mais de um milhão de adultos autistas. Mas se há tantos, as perguntas óbvias são: “Onde estão? Quem são eles? Estão todos trancados nas instituições?” Fala-se em uma recente “epidemia” de autismo. Mas as medidas epidemiológicas da prevalência do autismo - se considerar mudanças baseadas nos critérios diagnósticos, conscientização, disponibilidade de serviços, métodos de pesquisa e assim por diante - não indicam grandes aumentos injustificados. Pode-se argumentar que há um aumento gradual na taxa de autismo, uma vez que as evidências não permitem excluir todas as mudanças (penso ser mais provável que a taxa seja constante ao longo do tempo), mas, ainda assim, a curva seria tão ascendente que, outra vez, uma estimativa apreciável seria mais de um milhão de adultos autistas nos Estados Unidos.

Seria complicado falar ou escrever sobre os autistas que podem estar trabalhando perto de você. Se trabalhar em uma faculdade ou universidade, há uma boa chance de estar interagindo com pessoas no espectro autista regularmente. Talvez sua reação seja elaborar uma lista mental de colegas e começar a aplicar-lhes vários estereótipos. Talvez você fique de vigia, na próxima reunião com o reitor, para ver se encontra pessoas com “traços” autistas, e passe a fofocar sobre essas observações com seus amigos.

Essa é a natureza humana, mas sugiro uma alternativa. Seja diferente. Questione seus estereótipos. Olhe-se no espelho. Quando tiver feito isso, é provável que se considere mais distante da perfeição e mais dentro de variedades pouco convencionais do que esperava.



Autism as academic paradigm
http://chronicle.com/weekly/v55/i41/41cowenautism.htm
Tyler Cowen é professor de Economia na Universidade George Mason, e escreve no New York Times, Money, no blog http://www.marginalrevolution.com/ e em outras publicações. Este texto foi adaptado de seu novo livro, Create Your Own Economy: The Path to Prosperity in a Disordered World.

Temple Grandin, o filme


A produtora de filmes HBO lançará em fevereiro de 2010 o filme Temple Grandin, baseado na vida da famosa engenheira e especialista em comportamento animal que é uma referência mundial de pessoa autista.

Nascida em 1946, apenas três anos após a publicação do estudo de Leo Kanner, A dra. Grandin formou-se engenheira por inspiração de um professor que, percebendo o interesse da menina em construir uma máquina de abraçar, orientou-a a seguir essa carreira.

O roteiro do filme se baseia em seus dois livros autobiográficos, Uma menina estranha (Cia das Letras) e Thinking in pictures, sem tradução brasileira.

Claire Danes viverá o papel da engenheira.

O site pessoal de Temple Grandin pode ser visto aqui.

Temple Grandin no Internet Movie Databasehttp://www.imdb.com/title/tt1278469/

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Um Enigma Transparente


Madhusree Mukerjee Scientific American junho/2004 Tradutor: Roberto Bech, para a Comunidade Virtual Autismo no Brasil


Autistas de baixo desempenho não costumam brincar, escrever ou expressar de maneira criativa uma rica vida interior. Mas eis que surge Tito Mukhopadhyay.

Sete da manhã, um apartamento comum em Hollywood, Califórnia. Tito Mukhopadhyay toma leite e cereal, curvado sobre a tigela do café da manhã. Seu olhar passeia pelo aposento e sua mão treme. Quando ele acaba o café, sua mãe, Soma Mukhopadhyay, ergue-o da cadeira e o leva até o chuveiro, entrando de tempos em tempos quando ele pede ajuda, gritando. Enfim Tito surge, vestido, e curva-se diante da pequena Soma para que ela penteie seus cabelos negros e cheios.

De repente ele sai pela porta e acelera pelos corredores até ganhar céu-aberto. Ele sacode as mãos, absorto, enquanto a luz dourada do sol brilha em seu rosto.

Mais tarde eu pergunto a ele: "Você gostaria de ser normal?"

Com letras mal-traçadas, mas compreensíveis, ele escreve: "Por que eu deveria ser Dick e não Tito?".

Aos 15, Tito dá todos os sinais do clássico autismo de "baixo desempenho". Anos atrás na Índia, um médico disse aos pais que o garoto não era capaz de entender o que se passava ao seu redor.

"'Eu entendo muito bem', disse o espírito no garoto", ele relatou em The Mind Tree (A Árvore da Mente), livro que escreveu entre os oito e os doze anos (Tito costuma referir-se a si mesmo na terceira pessoa). Ele escreveu sobre suas duas diferentes personalidades: uma "pensante, cheia de aprendizados e sentimentos" e uma "agente, estranha e cheia de ações" que ocorrem de maneira involuntária. A inteligência autista varia muito, indo de acentuado retardamento à síndrome de savant. Tito une uma extrema incapacidade neurológica com a capacidade de escrever e por isso pode contar ao mundo sobre sua bizarra condição íntima.

Tito já se pôs diante de um espelho, tentando falar, implorando a sua boca que se mexesse.

"Tudo que sua imagem fazia era olhar de volta", ele escreveu. Pais de autistas costumam confundir a indiferença deles com teimosia; os escritos de Tito desmentem. Ele tem dificuldade em controlar seus movimentos, e fala por grunhidos quase incompreensíveis, que sua mãe quase sempre precisa traduzir.

Ele "se via como uma mão ou uma perna e girava para que todas as suas partes se juntassem", explica Tito sobre outra atividade típica, a rotação. Girar as mãos o ajuda a ter mais consciência das sensações de seu corpo. Fortes impulsos sensoriais conflitantes parecem perturbar os autistas, que reagem desligando um ou outro sentido, como nota o neurologista Yorram S. Bonneh do Weizmann Institute of Science de Rehovot, Israel. Tito, por exemplo, não consegue ver e ouvir alguém ao mesmo tempo, e por isso evita olhar nos olhos - uma característica comum aos autistas.

Em 2001, Bonneh e sua equipe descobriram que se Tito visse um flash de luz vermelha ao mesmo tempo em que alguém dizia "azul", ele respondia "eu vi azul" ou "estou confuso". Ele tem uma hierarquia de sentidos: a audição anula a visão, e ambas extinguem o tato. Por vezes seus dedos não sentiam nada. Efeitos surpreendentes como esses permaneceram ocultos até agora, já que autistas de baixo-funcionamento não costumam cooperar com pesquisadores. Todas essas interferências levaram a um "mundo fragmentado percebido através de sentidos isolados", escreveu Tito.

Ele compreende o mundo pela leitura ou quando sua mãe lê para ele - física, biologia, poesia. "É graças ao meu conhecimento dos livros que pude dizer que o ambiente era feito de árvores e ar, vivos e não-vivos, isso e aquilo", ele escreveu.

Nascido na Índia, Tito aprendeu a se comunicar graças aos incansáveis esforços de sua mãe. Vivendo só com seu filho em cidades indianas que se orgulham de seus especialistas em autismo (o pai de Tito trabalhava em uma cidade distante), Soma Mukhopadhyay, química e educadora, tentou de tudo para que sua estranha criança reagisse. Quando um especialista disse que Tito era retardado, ela chorou lágrimas amargas e foi a outro médico.
Seu primeiro sucesso com Tito veio quando ele olhava para um calendário; ela apontou os números, dizendo-os em voz alta. Em uma semana, antes de completar quatro anos, Tito aprendeu a somar e subtrair números e a compor palavras apontando números e letras em um quadro. Os especialistas acharam que era um truque; então ela o ensinou a escrever. Ela amarrou um lápis à mão dele e o ajudou a traçar o alfabeto até que ele o fizesse sozinho. Ainda assim, ela o observa com profunda intensidade e estala os dedos quando os pensamentos de Tito se perdem - o que acontece a toda hora durante minha visita. Ele parece ser acometido de eventuais sobrecargas neurais. Se ela não interferisse, explica Soma, ele escreveria palavras de outra sentença no meio daquela que já havia começado.
"Vai ser muito, muito difícil reproduzir o método, prediz Richard Mills da National Autistic Society de Londres, que encontrou Tito em Bangalore e o introduziu ao mundo ocidental. Soma agora trabalha com diversas crianças em Los Angeles, usando seu "método da sugestão rápida", com um sucesso espetacular. Ela se comunica usando o canal sensorial que estiver aberto na criança, e ele ou ela responde apontando letras ou figuras. Muitas vezes ela toca a mão ou o ombro delas (de acordo com Tito, o toque faz a criança sentir aquela parte do corpo e controlá-la), e as interrompe quando os pensamentos delas se perdem. Infelizmente, aponta Mills, todo dia surge um novo tratamento para autistas que acaba desaparecendo, e o método de Soma ainda não foi validado pela ciência.
Mesmo que possam se comunicar, poucos autistas devem revelar personalidades tão complexas como a de Tito. Um dia, ele escreveu, as coisas se tornaram transparentes: "Primeiro um quarto transparente, depois um teto transparente... e um reflexo transparente de mim mesmo mostrando apenas as cores do arco-íris do meu coração."
Por muito tempo os especialistas acreditaram que autistas não tinham imaginação e introspecção. Lorna Wing, também da National Autistic Society, explica que essas qualidades estão presentes mas enfraquecidas - autistas não costumam se interessar por outras pessoas. A hierarquia dos sentidos - audição acima da visão e esta acima do tato - leva a um "mundo fragmentado percebido através de órgãos de sentidos isolados". Uma teoria popular defendida por Uta Frith do Medical Research Council de Londres, afirma que os autistas não tem uma "teoria da mente" intuitiva -ou seja, não "sacam" as intenções das pessoas. Não percebendo sutilezas e ironias, eles são austeros e sem humor.
Temple Grandin, da Universidade de Illinois, por exemplo, é uma autista de alto desempenho cuja fenomenal capacidade de visualizar e compreender os sentimentos das vacas levaram-na a criar matadouros mais humanos. Em seu fascinante livro Thinking in Pictures (Pensando em Figuras, sem tradução no Brasil), Grandin afirma que pode compreender e até mesmo enganar os outros. Entretanto, essa compreensão vem com um constante esforço intelectual: ela estuda pessoas como primatologistas estudam chimpanzés.
Em seu livro, Grandin soa um pouco mecânica - já Tito, pelo contrário, parece uma criança estranhamente criativa e perceptiva, com a qual coisas muito estranhas acontecem. A teoria da mente não se aplica a Tito, afirma Michael Merzenich da Universidade da California, em San Francisco. Wing rebate que os que usam a linguagem com facilidade, como Tito, se saem bem em testes da teoria da mente. Mas mesmo Tito, ela diz, tem problemas em aplicar sua teoria da mente para se comportar de maneira apropriada em situações sociais complexas.
À tarde, indo de carro para a praia, a conversa chega a Darwin. "Você devia dizer que os autistas são os humanos mais evoluídos", opina Tito. "É uma mutação recente". Eu protesto, surpreso com a afirmação. "Só estou brincando. Não posso brincar?" ele responde abruptamente - fui eu que não entendi. Depois ele diz que eu deveria pôr em minha reportagem a "parte da brincadeira, porque tem a ver com a teoria da mente". A praia está fria, venta e está escuro, mas Tito segue andando. Depois de o mandar parar, sua mãe levanta a bainha das calças dele. Ele gosta "da água, do som e do ar" da praia, ela explicaria depois. "Eu sempre gosto do ar". Fitando o negro e vasto oceano, Tito permanece com os pés cobertos pela areia e pela espuma das ondas, sacudindo as mãos.
Madhusree Mukerjee, ex-redator (da Scientific American), é o autor de The Land of the Naked People: Encounters with Stone-Age Islanders (A Terra das Pessoas Nuas: Encontros com os habitantes da Ilha da Idade da Pedra - Houghton Mifflin, 2003).



Traduzido/transcrito por Argemiro Garcia em 18.6.04