segunda-feira, 5 de março de 2018

sábado, 1 de abril de 2017

Hugo, um amigo com asperger


Aspectos Previdenciários

Por Nara Rejane Marques de Vargas
A Síndrome de Asperger é uma perturbação global de desenvolvimento, de etiologia ainda desconhecida. As características associadas são referidas pelo Doutor Pedro Silva Carvalho, Médico Psiquiatra, por “[...] deficit de aquisição de competências sociais, dificuldade nas relações interpessoais, inteligência normal ou acima da média com fraca coordenação e percepção grafo-espacial; interesses restritos ou preocupações obsessivas”.[1]
Esta síndrome representa uma desordem neurobiológica que é, muitas vezes, classificada como uma Pervasive Develop Mental Disorders (PDD). É caracterizada por desvios e anormalidades em três amplos aspectos do desenvolvimento: interação social, uso da linguagem para a comunicação e certas características repetitivas ou perseverantes sobre um número limitado, porém intenso, de interesses.
O Psiquiatra austríaco Hans Asperger escreveu sobre crianças que eram muito inteligentes, com vocabulário acima da média, mas que apresentavam uma série de comportamentos comuns em pessoas com autismo, como deficiências marcantes no relacionamento social e na habilidade de comunicação. Esta condição foi chamada de Síndrome de Asperger, em 1981. Em 1984, a Síndrome foi incluída, pela OMS, na Classificação Internacional de Doenças (CID.10), manual utilizado pelos profissionais da saúde mental, e classificada sob o registro número F84.5.[2]
A Síndrome de Asperger é descrita como transtorno de validade nosológica incerta, caracterizado por uma alteração qualitativa das interações sociais recíprocas, semelhante à observada no autismo, com um repertório de interesses e atividades restrito, estereotipado e repetitivo. Ele se diferencia do autismo essencialmente pelo fato de que não se acompanha de um retardo ou de uma deficiência de linguagem ou do desenvolvimento cognitivo. Os sujeitos que apresentam este transtorno são em geral muito desajeitados. As anomalias persistem frequentemente na adolescência e idade adulta. O transtorno se acompanha por vezes de episódios psicóticos no início da idade adulta.
Embora seja relacionada ao autismo, portanto, diferencia-se deste tendo uma especificação própria. Esta diferença dá-se porque os indivíduos com a Síndrome de Asperger não apresentam qualquer atraso significativo de desenvolvimento de fala ou cognitivo, ao contrário, geralmente têm elevadas habilidades cognitivas (pelo menos Q. I. Normal, às vezes indo até as faixas mais altas) e funções de linguagem normais, se comparadas a outras desordens, no entanto, é importante que este receba educação especializada o mais cedo possível.
O termo “Síndrome de Asperger” foi usado pela primeira vez por LornaWing (1981) no seu trabalho de investigação sobre o autismo, para prestar homenagem a Hans Asperger pelo seu trabalho que, até a época, não havia sido reconhecido (CULMINE; LEACH; STEVENSON, 2006).
Em 1983, Wing enuncia as principais características da Síndrome: (i) discurso repetitivo e pedante; (ii) interpretação muito literal da linguagem; (iii) pouca comunicação não verbal; (iv) falta de empatia; (v) pouca ou nenhuma capacidade de criar amizades; (vi) interação social unidirecional, ingênua e inapropriada; (vii) interesse intenso em determinados assuntos; (viii) dificuldade com mudanças, perseveração em comportamentos estereotipados; e (ix) movimentos pouco coordenados e posturas estranhas.[3]
Um dos sintomas mais característicos da Síndrome de Asperger refere-se à preocupação com padrões restritos de interesse. Em contraste com o autismo, quando outros sintomas nesta área podem ser muito acentuados, os indivíduos com a Síndrome não deixam de relatar e expor seus conhecimentos e preocupações excessivos acerca de um determinado assunto sobre o qual adquirem grande conhecimento. Isso normalmente é demonstrado em atitudes e comportamentos, e nas interações sociais, pois estes indivíduos falam constantemente do mesmo tema, não desviando o assunto, mesmo quando interrompidos. É comum, inclusive, que se atenham a um determinado assunto por mais de dois anos seguidos, imergindo frequentemente na profundidade de descobertas e de domínio sobre o tema, de forma a ocupar todo seu tempo.
Este comportamento é peculiar nas pessoas com a Síndrome em razão da sua extraordinária capacidade de guardar informações sobre tópicos muito circunscritos (exemplos: nomes de estrelas, mapas, nome de países, capitais, horários mundiais, tipo de plantas etc.). Podemos afirmar que estas são as características mais marcantes da Síndrome de Asperger, não esquecendo que a intensidade de cada sintoma e/ou característica varia de indivíduo para indivíduo, não sendo considerados para fins de diagnóstico o atraso da linguagem inicial, nem as dificuldades de coordenação motora.
O tratamento médico recomendado às pessoas com Síndrome de Asperger é psicoterapêutico individualizado, englobando as áreas de Psicologia, Fonoaudiologia, Psicopedagogia, Psicomotriz e Educacional. Em alguns casos, diante de diagnóstico de outras deficiências ou doenças associadas, como TDAH, Epilepsia, Esquizofrenia, Depressão, dentre outras, pode haver necessidade de uso de medicação. O tratamento para os indivíduos com a Síndrome de Asperger é contínuo e permanente, devendo sempre ser acompanhado e orientado por médico especializado (neurologista, psiquiatra e/ou psicólogo).[4]
Nesse contexto, a evolução que se tem verificado ao longo do tempo referente ao autismo tem convergido para um melhor esclarecimento sobre o transtorno, pois o mundo autista é uma realidade complexa que possui conceitos distintos, mas que se cruzam em determinados pontos. Contudo, é necessário ter em conta que as características da Síndrome não estão presentes em todos os indivíduos, nem se manifestam sempre do mesmo modo, podendo algumas pessoas ter os sintomas mais acentuados que outras, o que será verificado apenas através do tratamento contínuo, que poderá atestar, ainda, a capacidade de cada indivíduo para a prática de atos da vida civil, inclusive para o trabalho.

Capacidade ou incapacidade?

Estudos comprovam que a pessoa com Síndrome de Asperger diagnosticada precocemente, isto é, ainda na primeira infância, possui grandes chances de se adaptar ao meio e ter uma vida “normal”, inclusive com amplo exercício da sua capacidade civil. Por óbvio, que as dificuldades e limitações, principalmente no campo social, sempre persistirão, contudo de forma leve, sem progressão ou outras complicações, perfeitamente adequadas ao meio, inclusive para o trabalho. A exemplo disto, podemos citar vários famosos que foram diagnosticados com a Síndrome e que são altamente habilidosos e bem-sucedidos em seus ofícios: Temple Grandin[5]; John Elder Robinson[6]; Mark Haddon[7], Lionel Messi[8], dentre outras personalidades que são consideradas gênios da humanidade[9].
Por isso, o tratamento adequado e o diagnóstico são fundamentais para afastar a incapacidade do indivíduo para o trabalho, pois os sintomas tendem a ficar imperceptíveis ao longo do tempo; ao contrário, a ausência de diagnóstico e tratamento precoces tendem a agravar os sintomas da Síndrome, levando o indivíduo a se isolar do mundo cada vez mais, tornando-o um autista clássico, totalmente incapaz de compreender ou responder pelos seus atos.
Há um limite sutil entre a normalidade e a deficiência da pessoa com Síndrome de Asperger que pode depender de muitas variáveis, como o contexto familiar ou o ambiente escolar, os quais refletirão diretamente no tratamento terapêutico. São as circunstâncias que permitem a um adolescente com Asperger desenvolver a inteligência que, aliada a uma incansável dedicação às matérias preferidas, pode abrir caminho para a aceitação do seu comportamento, por ele mesmo e por toda a sociedade. Em contexto diverso, o mesmo adolescente poderia ser rotulado como deficiente antes de ter a possibilidade de mostrar seu valor.
“Não existe o branco ou o preto, uma linha de demarcação precisa entre uma personalidade normal e uma patológica”, sustenta Temple Gardin, a Professora autista que se tornou famosa ao ter sua história contada por Oliver Sacks, em Um antropólogo em Marte.
Neste sentido, a perícia médica deverá ser complexa, englobando tanto a questão médica, que deverá ser amplamente investigada, quanto o contexto social em que o indivíduo está inserido, pois, reitera-se, este aspecto influenciará em muito no desenvolvimento da pessoa com a Síndrome, a ponto de determinar a sua capacidade ou não para o exercício dos atos da vida civil.

Legislação

A Instrução Normativa nº 45/10, do INSS, consigna, em seu art. 385 (Subseção I, intitulada Do Serviço Social), exatamente os recursos técnicos que deverão ser utilizados pelo assistente social na avaliação da pessoa com deficiência:
Art. 385. Os recursos técnicos utilizados pelo assistente social são, entre outros, o parecer social, a pesquisa social, o cadastro das organizações da sociedade e a avaliação social da pessoa com deficiência aos requerentes do Benefício de Prestação Continuada – BPC/LOAS:
§ 1º O parecer social consiste no pronunciamento profissional do assistente social, com base no estudo de determinada situação, podendo ser emitido na fase de concessão, manutenção, recurso de benefícios ou para embasar decisão médico-pericial, por solicitação do setor respectivo ou por iniciativa do próprio assistente social, observado que:
[...]
IV – nas intercorrências sociais que interfiram na origem, na evolução e no agravamento de patologias, o parecer social objetivará subsidiar decisão médico-pericial;
[...]
§ 4º A avaliação social, em conjunto com a avaliação médica da pessoa com deficiência, consiste em um instrumento destinado à caracterização da deficiência e do grau de incapacidade, e considerará os fatores ambientais, sociais, pessoais, a limitação do desempenho de atividades e a restrição da participação social dos requerentes do Benefício de Prestação Continuada da pessoa portadora de deficiência.
[...]
Nota-se, a própria Instrução Normativa determina a realização conjunta de avaliação social e avaliação médico-pericial, para o caso de pessoa com deficiência, requerente de benefício previdenciário, circunstância aplicável obrigatoriamente no caso do indivíduo com Síndrome de Asperger.
Nesta hipótese, não ocorrendo a avaliação social, a perícia médica identificará a existência da doença neurológica crônica, porém, o diagnóstico poderá ser positivo – a doença é incapacitante em função dos sintomas já explicitados – ou negativo – em função da inexistência de comprometimento intelectual pela Síndrome –, mas não será um diagnóstico preciso e pautado nas reais necessidades da pessoa que requer o benefício previdenciário.
Realizada a perícia médica complexa, sendo considerada a pessoa com deficiência, incapaz para a vida independente e para o trabalho, o requerente faz jus ao Benefício de Prestação Continuada. Atenta-se para que, nos termos dos §§ 2º e 6º do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social (nº 8.742/93).
Art. 20. [...].
§ 2º Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
[...].
§ 6º A concessão do benefício ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de impedimento de que trata o § 2º, composta por avaliação médica e avaliação social realizadas por médicos peritos e por assistentes sociais do Instituto Nacional de Seguro Social.
Extrai-se do art. 20 que a pessoa com Síndrome de Asperger terá direito ao benefício desde que preenchidos os requisitos legais, o que comprova, mais uma vez, que a perícia médica deve ser complexa. E mais, em vista da possibilidade real de reduzir os sintomas a longo prazo, através de tratamento e acompanhamento especializados, ao ponto de a pessoa adquirir independência total para os atos da vida civil, inclusive para o trabalho, tal perícia deve ser realizada a cada dois anos, conforme preceitua o caput do art. 21 subsequente: “O benefício de prestação continuada deve ser revisto a cada 2 (dois) anos para avaliação da continuidade das condições que lhe deram origem”.
Enfim, para pacificar a questão em torno do espectro do autismo, principalmente no que se refere ao acesso à Previdência Social, foi instituída a Lei nº 12.764/12, que trata sobre a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista.
Esta Lei garante expressamente o direito de acesso à Previdência Social aos autistas e pessoas com Síndromes relacionadas, ratificando que se trata este de um direito fundamental e social, garantido amplamente pela Constituição brasileira também àqueles que comprovarem a situação de deficiência (arts. 1º, inciso III; 5º; 6º; 23, inciso II; 203, inciso IV).
Sem dúvida alguma, a Lei nº 12.764/12 se afigura um marco para o Brasil no que se refere aos direitos dos autistas, porém, muito ainda tem que ser feito em termos de políticas públicas para dar efetividade às normas já existentes, a fim de garantir a esses indivíduos o acesso, principalmente, à Previdência Social.

Considerações finais

A pessoa com Síndrome de Asperger faz jus ao Benefício de Prestação Continuada previsto na Lei Orgânica da Assistência Social desde que comprove ser incapaz de forma total e permanente, sendo que tal situação deverá ser revista a cada dois anos nos termos da Lei.
Nada obstante, pesquisa jurisprudencial10 permite perceber que o benefício é concedido, na maioria das vezes, a crianças menores de 12 anos, haja vista que, nesta fase, os sintomas são muito acentuados, e as áreas de comunicação e linguagem são muito comprometidas, levando, sim, ao diagnóstico de incapacidade total e permanente.
Com relação aos adultos com Síndrome de Asperger, para o diagnóstico, há que se avaliar com maior cuidado a evolução do quadro, pois a maioria, se tratada precocemente, consegue alcançar a independência para todos os atos da vida civil, inclusive para o trabalho.
Diante disso, não há como determinar se um adulto com Síndrome de Asperger é capaz ou incapaz. Tal perspectiva, obrigatoriamente, dependerá do diagnóstico precoce da deficiência, do tratamento e do acompanhamento especializado. Se, em perícia médica, a fim de analisar a deficiência para a concessão de benefício, restar comprovada a incapacidade para o trabalho, não levando em conta apenas a questão neurológica, que é permanente e irreversível, mas também o quadro geral do paciente, quadro clínico e situação socioeconômica, há de se conceder tal benefício.
NOTAS
[1] CARVALHO, Pedro da Silva. Estudo sobre a Síndrome de Asperger. Disponível em:. Acesso em: 05.03.13.
[2] ROBISON, John Elder. Olhe nos meus olhos. Minha vida com a Síndrome de Asperger. São Paulo: Larousse do Brasil, 2008, p. 17.
[3] Apud CARVALHO, Pedro da Silva. Loc. Cit.
[4] PEREIRA, Iara Brandão. Entendendo a Síndrome de Asperger. Publicação em 14.02.12. Disponível em:. Acesso em: 03.03.14.
[5] SACKS, Oliver. Um antropólogo em Marte. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. Disponível em:. Acesso em: 12.11.13.
[6] ROBISON, John Elder. Op. Cit., p. 17.
[7] HADDON, Mark. O estranho caso do cachorro morto. 10. Ed. Rio de Janeiro/São Paulo: Record, 2009, p. 257-258.
[8] Disponível em:. Acesso em: 03.04.14.
[9] GARCIA, Vera. Síndrome de Asperger e os maiores gênios da humanidade. Divulgado em 20.06.12. Disponível em:. Acesso em: 01.03.14.
[10] TRF 2ª Região – AC nº 200651190003285-RJ, Rel.ª Juíza Fed. Convocada Márcia Helena Nunes, julgado em 18.09.09. Disponível em:. Acesso em: 10.03.14

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